sexta-feira, 22 de outubro de 2010

a tua morte a minha vida


A única certeza que tenho na vida é que prefiro viver com os pesadelos de tudo o que vi. De tudo o que te vi sofrer. De como tudo se acabou aos bocadinhos. E de como não houve um dia em que eu não estivesse ao teu lado. A segurar-te na mão e a fazer-te rir. Nas conversas só nossas.

Prefiro a dor dessas recordações à acidez dos remorsos que muitos outros têm. De remorsos do que deixaram por fazer. Ou de como podiam ter feito mais. E de como não assumem esses remorsos e santificam em morte as relações que nunca tiveram em vida. Disso, eu não sofro.

Porque tu bem sabes que, no dia em que tudo acabou, aquela pessoa que sempre esteve em tudo ao teu lado, em todos os tratamentos, em dias e noites infinitos, em horas perdidas em corredores de hospital, fui eu. Eu. É por isso que, dentro do muito que muito me custa, há outro muito que não me custa nada. Porque não tenho remorsos. Não deixei nada por fazer. Nem por te dizer.

Adormeceste dias a fio de mão dada comigo. E tu sabes, mesmo aí do outro lado sabes, que foi a nossa coragem juntos que nos fez atravessar tudo o que passámos. Mais ninguém tem uma relação como a nossa. Nem nenhum pai, nem nenhuma filha.

O que te dei foi a coragem de estar contigo nos momentos mais assustadores da tua vida. O que tu me deste foi a paz de espírito de continuar a viver mesmo depois da tua morte. De ser feliz mesmo depois da tua morte. Se assim não fosse, andava perdida e retorcida. Assim estou de bem com a vida. Obrigada pai.

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