terça-feira, 29 de março de 2011

os mortos dos outros



Não, se calhar não sei lidar com a dor dos outros. Dos outros com os seus mortos. Não sei, nem quero saber. Pura e simplesmente porque não entendo. Não os entendo. Não entendo a revolta. Não entendo o culto da dor. O culto da perda. Como se o resto do mundo tivesse culpa. Não tem. Eu também tenho os meus mortos. Também perdi o grande amor da minha vida - leia-se o meu pai - da forma mais dolorosa possível. Aos bocadinhos. Durante dois (longos e intermináveis) anos. Em que um cancro o consumiu de todas as formas. Soube ajudá-lo. Soube perdê-lo. Soube chorá-lo. E agora também já sei viver bem a sua presença ausente. Não tenho remorsos. Não tenho sentimentos de culpa. Não deixei nada por lhe dizer. Não deixei nenhum mimo por lhe fazer. Não deixei nenhum beijinho por lhe dar. Por isso não tenho revoltas. Não culpo o mundo pelos males da minha consciência. Não culpo o mundo pela sua ausência. Limito-me a tentar ser feliz, um dia de cada vez, para mais tarde lhe contar tudo o que fiz quando ele já cá não estava. Se calhar sou eu que sou tonta. Louca. Iludida. O que seja. É a forma como encaro a ausência dele. Numa paz que me deixa em paz. Nem de outra forma poderia ser.

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